sexta-feira, 12 de maio de 2017

Artigo - Breve histórico da Luta Antimanicomial no Brasil


O dia 18 de maio é o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Ao longo do referido mês são organizadas diversas atividades científicas, culturais e artísticas em diversos pontos do país a fim de sensibilizar novos atores sociais e envolvê-los na questão (PITTA, 2011). Tal luta é marcada pela reivindicação da cidadania e assistência adequada e pelo reconhecimento de direitos dos doentes mentais e demais envolvidos. Confira um breve histórico:

Anos 70, ditadura militar, construção de manicômios lucrativos sustentados por recursos públicos, maus tratos aos usuários de instituições psiquiátricas: é neste cenário que nasce o movimento da Reforma, conquistando visibilidade e vigor com a entrada de diversos movimentos sociais (LÜCHMANN e RODRIGUES, 2007; PITTA, 2011). Já no fim da década de 70 surge o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTST). Seus protestos giraram em torno de melhores condições de trabalho, críticas à cronificação do manicômio, humanização dos serviços prestados, entre outros. Em 1978 o movimento inicia uma greve que dura cerca de 8 meses, ganhando repercussão significativa (LÜCHMANN e RODRIGUES, 2007).

Conforme aponta Amarante (2008, apud Barbosa, Costa e Moreno, 2012, p. 46) “no período compreendido entre 1978 e 1987, vários eventos foram realizados com o objetivo de fortalecimento do MTSM e também da luta pela transformação do sistema de saúde”, a saber:

1978: realização do V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, no qual “testemunha-se o início de uma discussão política que não se limita ao campo da saúde mental” (LÜCHMANN e RODRIGUES, 2007, p. 402).
1979: em São Paulo, ocorre o I Encontro Nacional do MTSM e, em Belo Horizonte, o III Congresso Mineiro de Psiquiatria “que, afinado com o MTSM, propõe a realização de trabalhos ‘alternativos’ de assistência psiquiátrica” (LÜCHMANN e RODRIGUES, 2007, p. 402).
1983: em Belo Horizonte, ocorre o Encontro Brasileiro da Rede de Alternativas à Psiquiatria, com mais de mil e quinhentos participantes (PITTA, 2011).
1985: em São Paulo, houve o I Congresso de Trabalhadores de Saúde Mental de São Paulo, com mais de mil participantes (PITTA, 2011).
1987: houve a I Conferência Nacional de Saúde Mental, no Rio de Janeiro, bem como o II Congresso Nacional do MTSM, em Bauru. Para Amarante (2008, apud Barbosa, Costa e Moreno, 2012, p. 46) “foi um momento de renovação teórica e política, marcado pela participação de associações na luta pela transformação das políticas e práticas psiquiátricas.

Após este período outros episódios importantes também podem ser citados:  

1989: o deputado Paulo Delgado apresentou o projeto de lei nº 3.657/89, que passaria a ser conhecido como a Lei da Reforma Psiquiátrica (PITTA, 2011). Tal projeto “proíbe a construção ou contratação de novos leitos psiquiátricos pelo poder público e prevê o redirecionamento dos recursos públicos para a criação de ‘recursos não manicomiais’” (NETO, 2003, p. 72).
1993: realizou-se em Salvador o I Encontro Nacional da Luta Antimanicomial, consolidando o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA) (VASCONCELOS, 2000 apud LÜCHMANN e RODRIGUES, 2007, p. 403). Segundo Barbosa, Costa e Moreno (2012, p. 47) “os debates incluíram a questão do reconhecimento da situação dos portadores de transtorno mental, das novas práticas em saúde mental e dos seus direitos”.
Também neste período foram implantados serviços alternativos não hospitalares: “na primeira metade da década de 1990, foram inaugurados quase cem serviços de atenção diária que seguiu crescendo inercialmente” (PITTA, 2011, p.4586).
2001: após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei da Reforma Psiquiátrica foi aprovada. Neste período, também entraram em vigência oito leis estaduais, ao passo que um conjunto de hospitais psiquiátricos foram fechados por não atender a critérios básicos de assistência (NETO, 2003). Conforme aponta Pitta (2000, p. 4587) “ a lei foi o ponto culminante de um processo de normatização da assistência”.

Após a aprovação da Lei, o acesso ao cuidado em saúde mental progrediu, entretanto ainda há desafios a enfrentar “uma vez que ainda não dispomos de um patamar satisfatório de recursos assistenciais no país” (PITTA, 2011, p. 4581). Desta forma, tal condição possibilita “debates sobre seus rumos, colocando em cenários diversos usuários, familiares e trabalhadores como protagonistas do processo em curso na construção de uma nova forma de cuidado em saúde mental” (BARBOSA, COSTA e MORENO, 2012, p. 46).

É inegável a importância da Luta Antimanicomial para transformar a concepção sobre a loucura, assim como para promover melhores práticas assistenciais. Como visto, ainda há muitos desafios a enfrentar, no entanto também há muito o que comemorar. Em “A Reforma Psiquiátrica” (2002), Manuel Desviat refere-se à reforma psiquiátrica brasileira como “um dos mais frutíferos, promissores e vigorosos processos de transformação no campo da saúde mental e da psiquiatria no mundo” (PITTA, 2011, p. 4588).

Referências:

BARBOSA, Guilherme Correa; COSTA, Tatiana Garcia da; MORENO Vânia. Movimento da luta antimanicomial: trajetória, avanços e desafios. Cad. Bras. Saúde Mental, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 45-50, jan./jun. 2012.

LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn; RODRIGUES, Jefferson. O movimento antimanicomial no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n.2, p. 399-407, 2007.

NETO, Fuad Kyrillos. Reforma psiquiátrica e conceito de esclarecimento: reflexões críticas. Mental - Ano I - n. 1, p. 71-82, dez. 2003.

PITTA, Ana Maria Fernandes. Um balanço da Reforma Psiquiátrica Brasileira: instituições, atores e políticas. Ciência & Saúde Coletiva, v.16, n.12, p. 4579-4589, 2011. 

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