sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Artigo - Sofrimento psíquico do trabalhador


Quando você pensa em “trabalho” o que vem à sua mente? Ocupação? Emprego? Profissão? Se pensa nestas palavras ou em algo semelhante você não está errado. Porém, o trabalho é uma atividade muito mais complexa e abrange muitos outros significados além destes. É um ato inerente ao ser humano, um fenômeno que contribui para a interação entre as pessoas dentro e fora de sua prática profissional. (MARX, 1965; LE GOFF 1992 apud SAINT-JEAN E THERRIAULT, 2007). Bock et. al. (2008, p. 248) consideram que o trabalho está relacionado com “a consciência de nossa capacidade de transformar a natureza em nosso próprio proveito” e por fim Sainsanlieu (1995, p. 217 apud Machado, 2003, p. 59) relaciona o trabalho à identidade da pessoa ao afirmar que possibilita "elaborar um sentido para si na multiplicidade de papéis sociais, e de fazê-la ser reconhecida por seus companheiros de trabalho".         
                                                                                                                         
    Por ser algo tão complexo, o trabalho pode ser fonte de prazer para alguns, como também de sofrimento para outros, o que faz com que nos deparemos, direta ou indiretamente, com diversas situações desgastantes relacionadas a ele. O Ministério da Saúde do Brasil em seu manual de procedimentos para os serviços de saúde (2001, p. 19) afirma que “a adoção de novas tecnologias e métodos gerenciais facilita a intensificação do trabalho que, aliada à instabilidade no emprego, modifica o perfil de adoecimento e sofrimento dos trabalhadores”. Martins e Pinheiro (2006, p. 81) acreditam que “o sofrimento do trabalhador nasce das elaborações edificadas nas relações de trabalho, a partir da organização (cultura) e de seus próprios colegas trabalhadores (relações)” e quando o trabalho não resulta em êxito “a organização passa a cobrar, muitas vezes de forma hostil, o resultado não atingido pelo trabalhador. Este, por sua vez, acredita nesta “verdade” e passa a desenvolver uma relação de sofrimento consigo mesmo e com a organização”.                          

Exemplos de situações de sofrimento psíquico no trabalho não faltam: há registros de bancários em que situações de violência física e psicológica no trabalho culminaram em síndrome de estresse pós-traumático; agressões a trabalhadores de serviços sociais, educação, saúde e atendimento ao público têm crescido;  policiais e vigilantes convivem diariamente com violência e agressividade; a violência também faz parte do cotidiano do trabalhador rural devido a problemas relacionados à posse de terra . Esses e tantos outros trabalhadores apresentam sofrimento psíquico e outros problemas de saúde que mantém íntima relação com o trabalho (MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2001).  

Machado (2003, p. 66) associa o sofrimento psíquico, mais especificamente o estresse, a outro fator pouco explorado: a identidade no trabalho. Para ele, “o exercício de um trabalho ao qual o indivíduo não se identifica contribui para o stress no trabalho”. Não somente o estresse, mas também a fadiga física e mental são formas de adoecimento mal caracterizadas que “exigem mais pesquisas e conhecimento para que se possa traçar propostas coerentes e efetivas de intervenção (MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2001, p.19).                             ]

Posto isso, a Psicologia é convocada a buscar compreender e intervir neste cenário. Alguns autores citam como o saber psicológico pode ser utilizado em condições de sofrimento psíquico do trabalhador:
a. Organizar todo um conhecimento dos sintomas que o trabalhador manifesta por meio do corpo e da fala, no que se refere aos modos de sofrimento psíquico que a organização produz e que perpassa pelas relações com o próprio trabalho (MARTINS e PINHEIRO, 2006).  
b. Ter noção de que “a percepção psicológica que o indivíduo tem das exigências do trabalho é o resultado das características físicas da carga, da personalidade do indivíduo, das experiências anteriores e da situação social do trabalho” (MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2001, p. 428).
c. Também o olhar do psicólogo está mais atento aos aspectos ligados à organização dos processos de trabalho que podem causar efeitos negativos tanto para a saúde mental quanto para a saúde física dos trabalhadores (SATO, 2006).
d. Por fim, ouvir a pessoa falar de seu trabalho, de seus sentimentos e impressões em relação a ele, das reações do seu corpo dentro e fora dele, é de fundamental importância. (MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2001).   

O tema brevemente tratado neste artigo é uma realidade de muitos trabalhadores e da prática profissional do psicólogo. Certamente, não é possível separar a natureza objetiva do trabalho da natureza subjetiva do trabalhador, ambas devem “caminhar juntas” e estar em harmonia, pois caso contrário podem surgir conflitos causadores de sofrimento. Desta forma, é fundamental que os psicólogos estejam atentos aos sinais, muitas vezes sutis, de sofrimento psíquico relacionado ao trabalho, identificando possíveis causas, analisando os diversos fatores envolvidos e intervindo para a melhoria do quadro.

Referências:

BOCK, Ana Mercês Bahia et. al. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MACHADO, Hilka Vier. A identidade e o contexto organizacional: perspectivas de análise. Rev. adm. contemp., v.7, n.spe, p. 51-73, 2003.

MARTINS, José Clerton de Oliveira; PINHEIRO, Adriana de Alencar Gomes. Sofrimento psíquico nas relações de trabalho. PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editora, v. 7, n. 1, p. 79-85, 2006.

MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de saúde. Organizado por Elizabeth Costa Dias; colaboradores Idelberto Muniz Almeida et. al. – Brasília: Ministério da Saúde do Brasil, 2001.

PEREIRA, Clara Vanêza Marques; VIEIRA, Adriane. O Sofrimento Humano nas Organizações: Estratégias de Enfrentamento Adotadas em uma Empresa de Logística. XXXV Encontro da ANPAD: Rio de Janeiro, 2011.

SAINT-JEAN, Micheline; THERRIAULT, Pierre-Yves. Trabalho, estudo e produtividade. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo, v. 18, n. 1, p. 11-16, 2007.

SATO, Leny et. al. Psicologia e saúde do trabalhador: práticas e investigações na Saúde Pública de São Paulo. Estudos de Psicologia, v. 11, n. 3, p. 281-288, 2006.

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