Quando
você pensa em “trabalho” o que vem à sua mente? Ocupação? Emprego? Profissão?
Se pensa nestas palavras ou em algo semelhante você não está errado. Porém, o
trabalho é uma atividade muito mais complexa e abrange muitos outros
significados além destes. É um ato inerente ao ser humano, um fenômeno que contribui
para a interação entre as pessoas dentro e fora de sua prática profissional.
(MARX, 1965; LE GOFF 1992 apud
SAINT-JEAN E THERRIAULT, 2007). Bock et. al. (2008, p. 248) consideram que o
trabalho está relacionado com “a consciência de nossa capacidade de transformar
a natureza em nosso próprio proveito” e por fim Sainsanlieu (1995, p. 217 apud Machado, 2003, p. 59) relaciona o
trabalho à identidade da pessoa ao afirmar que possibilita "elaborar um
sentido para si na multiplicidade de papéis sociais, e de fazê-la ser
reconhecida por seus companheiros de trabalho".
Por
ser algo tão complexo, o trabalho pode ser fonte de prazer para alguns, como
também de sofrimento para outros, o que faz com que nos deparemos, direta ou
indiretamente, com diversas situações desgastantes relacionadas a ele. O
Ministério da Saúde do Brasil em seu manual de procedimentos para os serviços
de saúde (2001, p. 19) afirma que “a adoção de novas tecnologias e métodos
gerenciais facilita a intensificação do trabalho que, aliada à instabilidade no
emprego, modifica o perfil de adoecimento e sofrimento dos trabalhadores”. Martins
e Pinheiro (2006, p. 81) acreditam que “o sofrimento do trabalhador nasce das
elaborações edificadas nas relações de trabalho, a partir da organização
(cultura) e de seus próprios colegas trabalhadores (relações)” e quando o trabalho
não resulta em êxito “a organização passa a cobrar, muitas vezes de forma
hostil, o resultado não atingido pelo trabalhador. Este, por sua vez, acredita
nesta “verdade” e passa a desenvolver uma relação de sofrimento consigo mesmo e
com a organização”.
Exemplos
de situações de sofrimento psíquico no trabalho não faltam: há registros de
bancários em que situações de violência física e psicológica no trabalho
culminaram em síndrome de estresse pós-traumático; agressões a trabalhadores de
serviços sociais, educação, saúde e atendimento ao público têm crescido; policiais e vigilantes convivem diariamente
com violência e agressividade; a violência também faz parte do cotidiano do
trabalhador rural devido a problemas relacionados à posse de terra . Esses e
tantos outros trabalhadores apresentam sofrimento psíquico e outros problemas
de saúde que mantém íntima relação com o trabalho (MINISTÉRIO DA SAÚDE DO
BRASIL, 2001).
Machado
(2003, p. 66) associa o sofrimento psíquico, mais especificamente o estresse, a
outro fator pouco explorado: a identidade no trabalho. Para ele, “o exercício
de um trabalho ao qual o indivíduo não se identifica contribui para o stress no
trabalho”. Não somente o estresse, mas também a fadiga física e mental são formas
de adoecimento mal caracterizadas que “exigem mais pesquisas e conhecimento
para que se possa traçar propostas coerentes e efetivas de intervenção
(MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2001, p.19). ]
Posto
isso, a Psicologia é convocada a buscar compreender e intervir neste cenário.
Alguns autores citam como o saber psicológico pode ser utilizado em condições
de sofrimento psíquico do trabalhador:
a. Organizar todo
um conhecimento dos sintomas que o trabalhador manifesta por meio do corpo e da
fala, no que se refere aos modos de sofrimento psíquico que a organização
produz e que perpassa pelas relações com o próprio trabalho (MARTINS e PINHEIRO,
2006).
b. Ter noção de
que “a percepção psicológica que o indivíduo tem das exigências do trabalho é o
resultado das características físicas da carga, da personalidade do indivíduo,
das experiências anteriores e da situação social do trabalho” (MINISTÉRIO DA
SAÚDE DO BRASIL, 2001, p. 428).
c. Também o olhar
do psicólogo está mais atento aos aspectos ligados à organização dos processos
de trabalho que podem causar efeitos negativos tanto para a saúde mental quanto
para a saúde física dos trabalhadores (SATO, 2006).
d. Por fim, ouvir
a pessoa falar de seu trabalho, de seus sentimentos e impressões em relação a
ele, das reações do seu corpo dentro e fora dele, é de fundamental importância.
(MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2001).
O
tema brevemente tratado neste artigo é uma realidade de muitos trabalhadores e
da prática profissional do psicólogo. Certamente, não é possível separar a
natureza objetiva do trabalho da natureza subjetiva do trabalhador, ambas devem
“caminhar juntas” e estar em harmonia, pois caso contrário podem surgir
conflitos causadores de sofrimento. Desta forma, é fundamental que os psicólogos
estejam atentos aos sinais, muitas vezes sutis, de sofrimento psíquico
relacionado ao trabalho, identificando possíveis causas, analisando os diversos
fatores envolvidos e intervindo para a melhoria do quadro.
Referências:
BOCK,
Ana Mercês Bahia et. al. Psicologias:
uma introdução ao estudo de psicologia. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MACHADO,
Hilka Vier. A identidade e o contexto organizacional: perspectivas de análise. Rev. adm.
contemp., v.7, n.spe, p. 51-73, 2003.
MARTINS, José Clerton de Oliveira; PINHEIRO, Adriana
de Alencar Gomes. Sofrimento psíquico nas relações de trabalho. PSIC
- Revista de Psicologia da Vetor Editora, v. 7, n. 1, p. 79-85, 2006.
MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. Organização
Pan-Americana da Saúde no Brasil. Doenças relacionadas ao trabalho:
manual de procedimentos para os serviços de saúde. Organizado por Elizabeth
Costa Dias; colaboradores Idelberto Muniz Almeida et. al. – Brasília:
Ministério da Saúde do Brasil, 2001.
PEREIRA, Clara Vanêza Marques; VIEIRA, Adriane. O
Sofrimento Humano nas Organizações: Estratégias de Enfrentamento Adotadas
em uma Empresa de Logística. XXXV Encontro da ANPAD: Rio de Janeiro, 2011.
SAINT-JEAN,
Micheline; THERRIAULT, Pierre-Yves. Trabalho,
estudo e produtividade. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo, v. 18, n.
1, p. 11-16, 2007.
SATO,
Leny et. al. Psicologia e saúde do
trabalhador: práticas e investigações na Saúde Pública de São Paulo. Estudos
de Psicologia, v. 11, n. 3, p. 281-288, 2006.
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